Editando com Raphael Fernandes




Este post é o primeiro de uma série de entrevistas com editores nacionais. O objetivo é apresentar as personalidades que atuam nos bastidores do mercado editorial, seus processos, dicas e ambiente de trabalho.



O primeiro a ser entrevistado é o bem-humorado Raphael Fernandes, editor e roteirista da Editora Draco.



1 - Em que editora está trabalhando agora e qual é o seu projeto mais recente concluído?
Sou sócio na Editora Draco e presto serviços editoriais para diversas editoras de outro setores, mas a minha especialidade são histórias em quadrinhos originais, ou seja, criadas aqui. Comecei na Draco em 2013, quando editei e escrevi duas HQs da coletânea Imaginários em Quadrinhos #1, mas, a cada ano, fui me aproximando mais do Erick Sama e da vontade de ser parte do #dracospirit. Esse trabalho que venho desenvolvendo nessa casa criadora é algo que me realiza como artista (já que também sou roteirista) e profissional do meio editorial. Como só trabalhamos com literatura e quadrinhos produzidos em conjunto com os autores, nosso cotidiano é totalmente imerso na criação e desenvolvimento de histórias de terror, fantasia e ficção científica. Se bem que a gente vem ampliando o espectro para abranger policial, humor e não ficção.
Atualmente, estou envolvido em muitos projetos e acredito que enquanto alguém lê essa entrevista estejamos lançando alguma coisa nova. Em 2017, nós lançamos "Ryotiras - Um pouco de cada", de Ricardo Tokumoto (Ryot), "Space Opera em Quadrinhos" e "Fome dos Mortos" (pior que eles acabaram de lançar "Linha do Trem - Best of").
Coletânea Space Opera em Quadrinhos


2 - Como é a interação com os artistas? 
Nós fazemos a seleção de novos autores através das coletâneas abertas para envio de originais, que vamos trabalhando durante o ano. Por exemplo, no momento, nós temos uma coletânea de quadrinhos de horror inspirados no trabalho de Edgar Allan Poe e estamos procurando desenhistas, roteiristas e/ou pessoas que façam os dois. No blog da Draco, nós explicamos como funciona isso. Depois de selecionar os autores, nós fazemos todo um trabalho editoral para a preparação e produção dessas histórias. Esse desenvolvimento acaba funcionando como uma peneira para novos talentos entrarem na equipe da casa. A partir daí, podemos convidar para projetos que já estão em desenvolvimento ou avaliar as propostas que esses autores apresentarem para nós.
Portanto, a minha interação com os artistas é bem próxima e acabo participando ativamente da criação de cada uma das etapas. Em alguns casos, posso interferir mais ou menos na produção, mas sempre em busca de colaborar para que o autor conte da melhor forma possível aquela história. Não existe nada mais prazeroso do que ver o amadurecimento de uma HQ que tinha muito potencial, mas ainda estava crua.
A figura do editor é aquela primeira barreira crítica para que o trabalho saia com uma boa qualidade, por isso, os autores tem que ver o nosso trabalho como uma poderosa aliança. Como roteirista, eu sempre sinto a falta de uma visão externa experiente para me ajudar a desenvolver aquela narrativa. Sei muito bem a importância e a responsabilidade de quem está ali cuidando para que tudo seja realizado. 
Tenho muito orgulho das pessoas que trabalham comigo e sempre fico torcendo para serem reconhecidos pela dedicação e talento em realizar.


3 - Qual é a sua rotina de trabalho? 
Como somos uma editora pequena, cada um dos colaboradores acaba acumulando muitas funções diferentes e sendo uma espécie de faz tudo. Porém, acredito que posso falar um pouco sobre como funciona a produção de uma história em quadrinhos do começo ao fim e responder parcialmente sua pergunta. 
Todo projeto de quadrinhos surge de alguma concepção inicial, como uma proposta de autor ou mesmo uma criação nossa. Esse é o caso das já citadas coletâneas da casa, que começam a ser produzidas quando criamos um conceito para ela. Por exemplo, em O Rei Amarelo em Quadrinhos, nós desenvolvemos a ideia de ter 8 histórias em quadrinhos de horror cósmico com as cores preto, branco e amarelo. Tudo começou por diversas inspirações, como a série True Detective, o RPG Call of Cthulhu e minhas leituras da obra de Robert W. Chambers. Depois de algumas discussões com o Erick e o conceito amarrado, lançamos no nosso blog a seletiva para colaboradores enviarem roteiros, portfólios e propostas. Ao mesmo tempo, já faço uma seleção interna com os colaboradores da casa que queiram ingressar naquele projeto. Juntando tudo isso, fechamos uma lista com as 8 equipes do livro. Fechamos contratos com todos os autores e divulgamos a lista final publicamente. Daí começa o trabalho de verdade, faço uma leitura crítica de todos os roteiros selecionados, aponto melhorais, pontos fortes e algumas vezes até recomeçamos tudo do zero. Ficamos nisso até o texto estar o melhor possível, para então passar para os artistas que vão construir artes conceituais dos personagens, cenários e trabalhar em um esboço de todas as páginas. Esse esboço já terá os balões e recordatórios para que a gente faça uma leitura de como está ficando. Com esse esqueleto ajustado e aprovado, liberamos os artistas para que produzam o material. Sempre dando feedback e auxiliando para o melhor resultado. Com as artes prontas, o Erick fecha um arquivo final, revisamos exaustivamente e enviamos para a gráfica. Daí pra frente, nós trabalhamos a distribuição, divulgação e comercialização dessa obra. Vale ressaltar que sempre conto com a colaboração do meu maravilhoso assistente Airton Marinho, que é um cara fora de série. E que nesse meio tempo tentamos ao máximo conversar com os autores e deixá-los seguros do que estão fazendo.
Coletânea O despertar de Cthulhu em Quadrinhos


4 - Quais são as características mais importantes para um artista? 
Cada um desses artistas apresenta características diferentes e precisa de apoios diversos. Porém, pensando no que eu cobro de mim mesmo como artista: precisamos ser profissionais, se aceitamos fazer parte de um projeto temos que dar nosso melhor, seja ganhando 1 real ou mil; o resultado vem em primeiro lugar, deixemos os egos feridos de lado; realizar é mais importante do que deixar perfeito, com o tempo e a produção as histórias vão se tornar cada vez melhores; e, para fechar, confie no seu editor, nós queremos trabalhar para que a obra seja lida pelo maior número de pessoas e da melhor forma possível, mas isso só é possível se o autor for parceiro na produção, divulgação e paixão pelo projeto.
E, claro, ser uma pessoa bacana de lidar, que jogue limpo e deixe tudo claro para nós sobre o que está acontecendo! Nada mais trágico do que chegar a data de entrega e nem o roteiro estar finalizado.


5 - Qual é o álbum com melhor qualidade editorial que você já teve em mãos? 
Para falar a verdade, pensando na produção nacional, não conseguiria escolher um projeto apenas como o mais bem editado e nem acho muito ético fazer essa distinção. O que posso dizer é que cada vez mais o quadrinho nacional vem se profissionalizando e crescendo como produto e objeto de arte. Se você ainda não deu uma chance, recomendo dar uma boa olhada no catálogo da Ugra Press, que reúne independentes e editoras.
Porém, posso responder a pergunta sobre o melhor quadrinho que eu já editei. Acredito que sejam as coletâneas O Rei Amarelo em Quadrinhos e O Despertar de Cthulhu em Quadrinhos, que são os dois maiores best-sellers da Draco. A reunião de talentos foi algo que não faço ideia de como fizemos, mas sou muito grato e satisfeito por cada uma das mentes que estão nesses dois livros. Também gosto da ousadia do duotone e da ideia de fazer o horror perigoso novamente. Não queríamos fazer pastiche dos clássicos do gênero aqui do Brasil, que foram sucesso dos anos 50 aos 80. Buscamos trazer a estética de grandes mestres como Dario Argento, David Cronenberg, Stephen King, Clive Barker, Junji Ito, Takashi Miike, Richard Corben, John Carpenter, José Mojica Marins e muitos outros. Essa pegada mais contemporânea do horror aliada ao conceito de horror cósmico, que tem como expoente máximo o mestre H. P. Lovecraft (que apesar de suas limitações empáticas, foi capaz de trazer um frescor necessário para o terror). Gosto muito dessa coleção e o terceiro livro vem para fechar isso tudo com chave de ouro.
Coletânea O Rei Amarelo


6 - Qual objeto não pode faltar na sua mesa?
Quando estou trabalhando, eu vou construindo uma espécie de ritual que vem desde a infância. Normalmente, eu edito as HQs da minha casa e costumo ir pegando coisas que eu goste para me cercar: discos de vinil, livros, quadrinhos e outros objetos. Parece quando uma criança senta com seus brinquedos favoritos.
Porém, eu não consigo editar sem um bom caderno e uma caneta. Faço muitas anotações e sempre uso como plataforma para pensar livremente em soluções, ideias e conceitos. Também acho que é impossível editar qualquer coisa sem ter uma bagagem cultural que esteja muito bem alimentada e atualizada. Por isso, eu vejo todas as séries e filmes, leio tudo o que puder, visito exposições, frequento teatros, participo de manifestações... Bom, estou por dentro para tentar trazer novidades e acompanhar o que nossos leitores gostariam de ler.
O Escritório de Raphael



Entrevista conduzida por:


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